No Haiti de Aristide
HAITI
Da
Revista Carta Capital
JÁ VIMOS ESSE FILME ANTES
A guerra civil haitiana é uma versão acelerada da tentativa de desestabilização da Venezuela
A mídia global, que desconhece o Haiti mais ainda que a Venezuela, trata Aristide como um ditador que enfrenta um levante popular e merece ser deposto pelos "rebeldes" que o combatem. Não é bem assim.
Em 1991, o padre progressista Jean-Bertrand Aristide, democraticamente eleito após a queda da dinastia Duvalier, foi deposto por golpe militar depois de cinco meses de governo. De má vontade e pressionado pelo êxodo de refugiados haitianos, o governo Clinton acabou por forçar seu regresso em 1994, mas apenas para aceitar as privatizações e ajuste exigidos pelo FMI e celebrar novas eleições, que resultaram em um governo mais conservador.
Em 2000, Aristide voltou a se candidatar. Com um programa de clínicas rurais, campanhas de alfabetização e reforma agrária, recebeu 92% dos votos em uma eleição boicotada pela oposição. O paupérrimo país ficou sob embargo da União Européia e dos EUA e seu governo sob o fogo cerrado da mídia e de comandos armados.
Nos últimos três meses do ano passado -- logo depois de o salário mínimo subir de US$ 0,90 para US$ 1,75 por dia --, 50 morreram em choques entre governistas e oposicionistas articulados pela Câmara do Comércio e Indústria e por uma "Convergência Democrática" apoiada pelos EUA.
Em dezembro, a oposição rejeitou o "conselho eleitoral consensual" proposto por bispos e aceito pelo governo e fracassou ao tentar um locaute geral à venezuelana: só aderiram grandes lojas, postos de gasolina e bancos. Restou a opção do banho de sangue, que engolfa parte do norte do país desde 10 de fevereiro. Em Gonaïves, "rebeldes" mataram três pessoas hospitalizadas e 14 policiais, cujos corpos nus foram mutilados e arrastados pelas ruas.
Os EUA limitam-se a exigir de Aristide "respeito aos direitos humanos". A França cogita enviar tropas. Mas é parte interessada: o governo Aristide lhe cobra uma indenização de US$ 20 bilhões (5,5 vezes o PIB do Haiti, 16 vezes sua dívida externa) pela escravidão a que submeteu seu povo de 1697 a 1804. Será muito triste se a França usar suas forças para sufocar a independência do primeiro povo da América Latina a proclamá-la e obrigá-lo a pagar uma dívida na qual, na realidade, é credor.