Conferência contra o Racismo
A Conferência contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminação e a Intolerância realizada na cidade de Durban (África do Sul), entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, está sendo qualificada como decepcionante, por uma parcela significativa das delegações que participaram do encontro, notadamente pelos países africanos, árabes e muçulmanos. A conferência contou com a participação de 170 países visando denunciar e combater as formas atuais de discriminação racial, étnica, religiosa e de qualquer gênero.
As questões responsáveis pelos debates mais delicados e calorosos, disseram respeito ao Oriente Médio, onde os países árabes tentaram incluir no documento final a acusação de práticas racistas e discriminatórias de Israel contra os palestinos, o que não foi aceito pelos Estados Unidos, pela União Européia e por Israel. Após um momento de crise diplomática na conferência com o abandono de Estados Unidos e Israel, chegou-se a um texto final que não fez referências às práticas discriminatórias por parte de Israel, mas reconheceu o direito dos palestinos à autodeterminação e a um Estado independente. Quanto à escravidão e o tráfico de escravos, o documento considerou-os como crimes contra a humanidade, mas não concordou com o direito a reparações pretendidas pelos africanos.

Selo comemorativo da Conferência contra o racismo
O consenso esperado para aprovação do texto ficou enfraquecido, já que apenas 99 dos 173 países que participaram do encontro acompanharam a seção plenária final, que elaborou dois documentos: uma declaração de princípios e um plano de ação contra o racismo.
A DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS
O acordo sobre os fatos do passado
* A conferência reconhece que a escravidão e o tráfico de escravos são crimes contra a humanidade e deveriam sempre ter sido assim; reconhece que estão entre as fontes de racismo e discriminação.
* O colonialismo levou ao racismo e a conferência reconhece o sofrimento causado por ele.
* O apartheid (regime de segregação racial sul-africano) e o genocídio foram crimes contra a humanidade.
* A conferência reconhece e lamenta o sofrimento causado pela escravidão, o tráfico escravo, o apartheid, o colonialismo e o genocídio.
* A conferência nota que alguns Estados tomaram a iniciativa de se arrepender, expressar remorso ou pedir desculpas, e pede àqueles que não contribuíram para restaurar a dignidade das vítimas que encontrem caminhos para faze-lo. Ciente da Obrigação moral dos Estados envolvidos, exorta os Estados a tomarem medidas apropriadas e efetivas para reverter as conseqüências.
* A conferência reconhece que as injustiças históricas contribuíram inegavelmente para a pobreza e o subdesenvolvimento. Reconhece a necessidade de desenvolver programas para o desenvolvimento econômico e social das sociedades afetadas, com parcerias nas seguintes áreas:
- alívio das dívidas;
- erradicação da pobreza;
- acesso ao mercado;
- transferência de tecnologia;
- investimento em saúde e no combate à aids;
- restituição de objetos de arte e históricos a partir de acordos bilaterais.
O acordo sobre o Oriente Médio
* O holocausto nunca deve ser esquecido.
* Reconhece com preocupação o aumento do anti-semitismo e da islamofobia em várias partes do mundo, bem como a emergência de movimentos baseados em idéias discriminatórias contra judeus, muçulmanos e árabes.
* Mostra preocupação com as dificuldades dos palestinos nos territórios ocupados por Israel, reconhecendo o direito inalienável dos palestinos à auto-determinação e ao estabelecimento de um Estado independente; reconhece o direito à segurança de todos os Estados da região, incluindo Israel.
* Reconhece o direito dos refugiados de voltarem livremente para suas casas e propriedades em segurança.
* Pede aos Estados que reconheçam a necessidade de conter o anti-semitismo, o anti-arabismo e a islamofobia no mundo.
* Pede o fim da violência no Oriente Médio e a retomada do processo de paz israelo-palestino.
Ao tentar atenuar os problemas gerados pelo escravismo e pelo colonialismo a conferência não condenou esse último como crime contra a humanidade, o que era reivindicação dos países africanos e asiáticos. As críticas do documento final ao colonialismo, afirmam apenas que o mesmo, "levou ao racismo e causou sofrimento" e que isso deve ser lamentado e evitado. A União Européia destaca no documento que, "...alguns membros da comunidade internacional tomaram a iniciativa de se arrepender, expressar remorso ou apresentar desculpas", e pede aos que ainda não contribuíram para restaurar a dignidade das vítimas, que encontrem caminhos apropriados parta fazê-lo.
Segundo a Comissão Internacional pela Eliminação de Todo Tipo de Discriminação Racial, considera-se crime "qualquer tipo distinção, exclusão, restrição ou prejuízo baseado em raça, cor, descendência ou em origem étnica ou nacional que tem como objetivo ou efeito anular ou prejudicar o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em bases iguais, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos planos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública". Nesse sentido, o sionismo, como doutrina do Estado de Israel, assim como a ação desse Estado na ocupação dos territórios palestinos, corresponde a uma postura claramente racista já que Israel possui leis que patrocinam o retorno dos judeus, reservando terras exclusivamente para eles, assumindo-se efetivamente como um Estado baseado em critérios biológicos, em detrimento dos não-judeus, no caso os palestinos, considerados cidadãos de segunda categoria dentro de Israel, ou submetidos as mais diversas formas de opressão nos territórios ocupados da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental.
Os países africanos tentaram aprovar uma proposta de reparação pelos abusos da escravidão. O máximo que conseguiram foi a postura moderada, conciliatória e timidamente crítica, da União Européia, Estados Unidos e aliados, no lugar de um posicionamento mais transparente na condenação ao escravismo, ao colonialismo, e ao racismo. Essa postura acabou por frustrar as esperanças de todos os povos que acreditavam que as conferências de caráter humanitário não estavam atreladas aos interesses das nações hegemônicas. Não é de se estranhar que os mesmos países que apóiam o ressarcimento aos judeus pelo holocausto, não apóiam reparações a negros e povos indígenas. O documento final não incluiu um pedido explícito de desculpas por parte de europeus e norte-americanos pela escravidão de negros e índios e pelo colonialismo e muito menos fez referência a alguma forma de reparação. Limita-se apenas a utilizar o termo "medidas efetivas para reverter as conseqüências" dos atos do passado.
A participação da delegação brasileira deu-se com o encaminhamento de propostas sobre a realidade de negros, índios e homossexuais, destacando-se a criação de um sistema de cotas para assegurar aos negros brasileiros 20% das vagas nas universidades públicas. Essa iniciativa gerou uma grande polêmica, sendo rejeitada pelo governo, que em seu lugar defende a criação de cursos pré-vestibulares dirigidos aos negros.
Apesar dos resultados mais concretos da conferência terem sido decepcionantes para todos aqueles que sofreram e ainda sofrem com as várias formas de escravidão e colonialismo, é inegável a importância da realização de uma conferência contra o racismo e práticas similares, nessa virada de século marcada por tantos atos de discriminação, xenofobia e "faxinas étnicas" em todo mundo, com o agravante mais recente, que diz respeito ao racismo sobre muçulmanos e árabes em geral, que tende a se agravar após os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos.