Cuba: Elián, o fim do embargo e a Revolução
O "CASO ELIÁN"
"O povo americano está absolutamente horrorizado com essa atitude radical dos grupos (anticastristas) da Flórida, porque eles estão agindo como se estivessem declarando um Estado independente e soberano em Miami".
Essas palavras foram pronunciadas pelo advogado cubano-americano José Pertierra, um especialista em questões de imigração. Ele falava sobre a atitude dos líderes de alguns dos grupos de imigrantes cubanos de tentar impedir que Elián González, o menino cubano resgatado no mar em novembro de 1999, seja entregue a seu pai, Juan Miguel González, que vive em Cuba, e de continuar a usar o garoto de 6 anos como bandeira de sua luta contra o regime do presidente Fidel Castro. A mãe de Elián, que era separada de Juan Miguel, morreu na trágica travessia com outras nove pessoas. O menino foi criado e vivia com o pai em Cuba.
O Serviço de Imigração e Naturalização confiou sua custódia temporária a um tio-avô, Lázaro González, que mora em Miami e que resistiu radicalmente a facilitar o retorno de Elián a seu pai.
Foram sete meses que o mundo acompanhou apreensivo o "caso Elián". Chamado de "o náufrago mais famoso desde Robinson Crusoé", o garoto foi "adotado" como símbolo da resistência ao regime comunista de Havana pelos exilados cubanos de Miami e apareceu em comerciais de TV, jornais e revistas de entidades anticastristas.
A guerra jurídica estendeu-se desde o pedido de repatriação de Elián pelo pai, até o final de junho de 2000, quando por decisão da Corte Suprema foi removido o último obstáculo que impedia o retorno do garoto Elián González a Cuba finalizando uma batalha judicial de sete meses.
O fim do embargo
No último ano do século XX, Cuba também foi notícia em outubro, quando o Senado norte-americano derrubou parte de um grande tabu: o embargo econômico a Cuba. No dia 18 de outubro de 2000 foi aprovada a exportação de alimentos e remédios à ilha de Fidel Castro. Essa medida é um importante indicador político de que o bloqueio econômico dos Estados Unidos tem os dias contados. Desde que se tornou órfã da União Soviética em 1991 com a derrocada do socialismo, Cuba amarga uma incontrolável crise econômica.
As Relações entre EUA e Cuba
O embargo norte-americano precisa ser compreendido desde suas origens no início dos anos 1960 no contexto da Revolução Cubana.
Costuma-se atribuir a decretação do embargo e sua manutenção até os dias atuais à "guerra fria". No entanto o que significa a "guerra fria"?. Durante décadas predominou a crença que dizia ser a guerra entre dois sistemas antagônicos, o capitalismo e o socialismo; o primeiro representado e defendido pelos EUA, e o segundo representado e defendido pela União Soviética. Dessa maneira, as relações internacionais estariam polarizadas, era a bipolarização. Essa visão maniqueísta da história passou a servir como justificativa para a política imperialista norte-americana. Representando a liberdade e a democracia, os EUA seriam os responsáveis por conter o avanço do "perigo vermelho". O velho discurso com uma nova roupagem. Desde o século XIX os norte-americanos desenvolveram uma política expansionista baseada na teoria do "Destino Manifesto", que considerava como dever do país, levar o progresso e o desenvolvimento à outras regiões, dizimaram milhões de indígenas e tomaram metade do território mexicano.
A ameaça soviética, segundo a Doutrina Truman, tornou-se a nova justificativa para o imperialismo norte-americano. Ao estudarmos a história de Cuba percebemos essa postura imperialista antes da Revolução e, nesse sentido, o embargo e todas as demais ações dos EUA contra Cuba foram determinadas pela política anti imperialista adotadas pelo governo revolucionário e não pela "guerra fria".
A HISTÓRIA
Costuma-se atribuir a independência de Cuba aos EUA. Ao derrotar a Espanha, em 1898, os norte-americanos teriam garantido a liberdade à Ilha. Dessa maneira é desprezada a luta do povo cubano pela independência. Esses dois elementos devem ser considerados no processo de independência, inclusive para que possamos compreender as contradições determinantes para a revolução.
Por quatrocentos anos a ilha de Cuba foi uma colônia explorada pela Espanha, sendo que, desde o século XVIII, a produção açucareira tornou-se a base da economia, apoiada no trabalho escravo africano. No século seguinte, os EUA já eram o principal comprador do açúcar cubano e viam com bons olhos os movimentos populares que se desenvolviam contra a dominação metropolitana.
Em Cuba, o primeiro movimento significativo de independência, ocorreu entre 1868 e 1878, e ficou conhecido conhecido como "A Grande Guerra". Esse movimento foi comandado por Carlos Manuel Céspedes, que, apesar de latifundiário, havia sido educado na Europa e defendia os ideais liberais de origem iluminista. Em 10 de outubro de 1868, em seu engenho de açúcar, Céspedes levantou-se em armas contra o governo espanhol, comandando cerca de 200 homens, proclamou a independência de Cuba. Um dos primeiros atos de Céspedes ao instalar o governo independente foi declarar livres todos os escravos que se juntassem ao exército revolucionário. Essa medida fez com que seu exército chegasse a ter 12 mil homens, porém passou a sofrer a oposição dos fazendeiros conservadores, ao mesmo tempo em que a Espanha aumentava seu contingente militar na Ilha. Céspedes foi deposto em 1873, porém a resistência manteve-se até 1878, quando os espanhóis recuperaram o controle político sobre a colônia.
Durante esse mesmo período surgia um novo líder revolucionário: José Marti. Preso aos 16 anos por ter fundado o jornal La Patria Libre, foi condenado a trabalhos forçados e depois deportado para a Espanha. Viveu no México, Venezuela e Estados Unidos, onde passou a preparar a revolução em Cuba. Em 1892 fundou o Partido Revolucionário Cubano. Em 1895, Martí desembarcou em Cuba e deu início a guerra de independência, morrendo em combate ainda no primeiro mês do conflito, que estendeu-se até 1898,quando a independência foi conquistada.
Ao final da guerra de independência contra a Espanha, os EUA entraram no conflito, com o pretexto de que um de seus navios ancorados em Cuba fora atacado. A vitória sobre a Espanha foi rápida, sendo que os EUA mantiveram seu aparato militar na Ilha ao mesmo tempo em que foi elaborada a Constituição do país, a qual, em 1901 foi acrescentada a Emenda Platt, que garantia o direito de intervenção dos EUA em Cuba, sempre que seus interesses estivessem ameaçados. Esse dispositivo mostra explicitamente a política imperialista norte-americana, no sentido de garantir o controle indireto sobre Cuba, no quadro da política do Big Stick, do presidente Theodore Roosevelt. Estava eliminado o intermediário espanhol e os norte-americanos passavam a ter o controle da economia cubana. Nas décadas seguintes, os investimentos norte americanos fomentaram a produção canavieira com a mecanização das fazendas, financiaram as usinas e investiram em atividades de transporte, assim como no setor de serviços. Também o turismo desenvolveu-se segundo os interesses dos EUA.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela alternância de situações políticas democráticas e ditatoriais no país. Em 1933 um grande movimento popular colocou no poder Ramón Grau San Martí, que deu início a um amplo processo de reformas, apoiadas pelos grupos de esquerda, que procuravam atender as reivindicações das camadas mais pobres. Foi criado o ministério do trabalho e implementadas as primeiras leis trabalhistas, o ensino foi estimulado com a abertura de novas escolas, foi dado o direito de voto às mulheres e foi revogada a Emenda Platt.
O principal movimento de oposição, apoiado pelos EUA, foi encabeçado por Fulgêncio Batista, que tomou o poder em 1944 e novamente em 1952, implantando um governo ditatorial. O período ditatorial foi marcado pela subserviência aos interesses norte americanos, por repressão e injustiça social

A Revolução
O ideal revolucionário passou a ser defendido por membros do Partido Ortodoxo, do qual fazia parte Fidel Castro. Para esse grupo, a redemocratização no país somente seria possível através da luta armada. Essas concepções fizeram com que o grupo liderado por Fidel planejasse o assalto ao Quartel de Moncada, com o intuito de obter armas, para iniciar uma revolução. O fracasso do movimento foi responsável pela prisão e posteriormente, em 1955, pelo exílio daqueles que sobreviveram. No México, os exilados contaram com a adesão de Ernesto "Che" Guevara, comunista argentino, que integrou-se ao grupo para planejar a revolução em Cuba.
Apesar de contar com um pequeno grupo de homens e com poucas armas, o movimento guerrilheiro foi apoiado pela população camponesa e urbana. O grande apoio recebido pode ser explicado tanto pela situação política como econômica do país. A sociedade defendia a normalidade constitucional e a retomada da democracia, ao mesmo tempo em que a crise econômica se ampliava, pois a riqueza gerada pelo país era controlada pelas empresas norte-americanas. Essa situação fez com que se desenvolvesse uma camada urbana marcada pelo nacionalismo, que na prática, manifestava-se como um forte sentimento antiamericano e levou setores da burguesia a apoiar o movimento guerrilheiro, como forma de derrubar a ditadura e promover um projeto de desenvolvimento capitalista para o país. Formou-se a Frente Cívico Revolucionária Democrática e em 1° de janeiro de 1959 os revolucionários tomavam Havana.
O Poder
Com a fuga de Fulgêncio Batista, formou-se um governo provisório, encabeçado por Manuel Urritia, de caráter reformista, e que deu início a mudanças de caráter nacionalista, contrariando interesses norte-americanos, ao mesmo tempo em que realizou reformas no sistema de ensino e saúde e deu início a reforma agrária. A pressão popular fez de Fidel Castro primeiro ministro e suas mais importantes medidas foram: a abolição do latifúndio com a realização da reforma agrária e a nacionalização das empresas norte-americanas. As medidas de caráter popular e anti imperialista foram responsáveis pelo aumento da pressão dos EUA, que passaram a boicotar o açúcar cubano e em abril de 1961 patrocinaram uma tentativa de invasão da Ilha. Esse episódio, a tentativa fracassada de desembarque na "Baía do Porcos" de grupos anti castristas, treinados e armados na Flórida; Essa pressão externa serviu para acentuar a aliança cubana com a política soviética. A URSS comprometeu-se a comprar um milhão de toneladas de açúcar por ano, além de garantir um crédito de cem milhões de dólares ao governo revolucionário
Em 1962 Cuba foi expulsa da OEA e passou a sofrer o boicote econômico não apenas por parte dos EUA, mas dos demais países da América Latina. Nesse mesmo ano a URSS começou a instalar em solo cubano mísseis nucleares de médio alcance. O presidente Kennedy ordenou o bloqueio naval da Ilha, ameaçando invadi-la caso o procedimento soviético fosse mantido. Considera-se que a "crise dos mísseis" foi o ponto alto das tensões entre as superpotências durante a guerra fria. Se a União Soviética recuou em seus propósitos militares, os EUA recuaram na tentativa de invadir a Ilha, no entanto, mantiveram o boicote econômico como forma de desestabilizar o novo regime.
Inicialmente sem um projeto ideológico definido, o movimento revolucionário caminhou em direção ao modelo soviético de economia e organização política. Em 1965 formou-se o Partido Comunista Cubano, controlado por Fidel Castro, que passou a reprimir todos os setores que divergiram de seu comando. Do ponto de vista econômico a propriedade privada foi eliminada e desenvolveu-se a produção canavieira, que indiretamente alimentou indústria de máquinas e de bens de consumo. Destaca-se principalmente os avanços no campo da educação, com a erradicação do analfabetismo, e na saúde, com a implantação de um sistema que passou a atender a toda a população.