As origens do militarismo no Brasil
O militarismo no Brasil
50 anos do Golpe Militar (1964 – 2014)
Por Claudio Recco
Coordenador do Historianet
Neste ano de 2014 deu-se grande destaque aos “50 anos do golpe militar”. Destaca-se a “data redonda”, o fato de fazer meio século, mas nada de diferente ou de muito especial ocorreu. Poderíamos dizer que a criação e a formação da Comissão Nacional da Verdade em 2012 foi o evento mais significativo relacionado à compreensão do golpe de 64 e dos governos ditatórias subsequentes; portanto um ano mais significativo do que este 2014.
De qualquer maneira, o este último aniversário colocou em evidência o movimento, destacado na mídia tradicional e nas redes sociais.
Chama a atenção o número de pessoas que “acha” que o golpe de 64 foi uma revolução.
E o número de pessoas que “acha” que na época dos militares a corrupção e o banditismo eram menores.
As manifestações pró militarismo nas redes sociais faz com que nós, professores de História, repensemos o ensino mas, ao mesmo tempo, tenhamos consciência da pequenez de nosso papel frente a força dos meios de comunicação.
As origens do militarismo no Brasil
Falar de Brasil significa pensar a partir de 1822 com a Independência política. Neste momento, os setores do exército português fiéis à corte, foram banidos do país, porém o Imperador manteve sua base – eventualmente assessorada por mercenários - e procurou dela se utilizar, mesmo porque sua política autoritária e centralizadora dependia do apoio dos portugueses residentes aqui, na medida em que via a maioria dos proprietários rurais fazerem oposição ao modelo político constituído. Dessa forma o militarismo, mesmo pouco organizado e mal armado, ganhou alguma importância, inclusive com muitos de seus quadros ocupando funções políticas.
Com a abdicação de D. Pedro I, consideramos como terminada a ameaça de recolonização e no momento no qual, de fato, a aristocracia rural chega ao poder, mesmo que dividida quanto as questões de administração e organização do Estado. Foi neste contexto que surgiu a “Guarda Nacional”, criada em 1831, pelo Ministro da Justiça Antônio Feijó. A nova estrutura militar do Brasil garantia que os proprietários rurais tivessem homens armados em quantidade necessária para defender suas terras e colocava os “coronéis” em situação de igualdade aos oficiais do exercito.
Dessa forma a influência do exercito na vida política foi substituída pela influência da Guarda Nacional, coerente com a nova situação política do país, com a elite agrária efetivamente no poder. Apesar de possuir papel importante em alguns eventos desse período, como a repressão aos movimentos sociais – Farrapos, Cabanagem e Balaiada dentre outros – politicamente o exército se enfraqueceu.
Durante o Segundo Reinado destaca-se a situação ambígua do exercito e dos militares. Seu papel como corpo armado volta a ter importância com a Guerra do Paraguai e seu papel político é deliberadamente diminuído. O Império percebe a força que existe numa corporação bem organizada, vitoriosa, apoiada moralmente por diversos setores sociais novos que crescem acompanhando as mudanças modernizadoras vivenciadas pelo país, como o desenvolvimento. É época de maior urbanização, é época da fundação dos Partidos Republicanos.
O Positivismo
No interior do exército o moral elevado, a certeza de dever cumprido, a Pátria defendida de seus inimigos exteriores. O número de efetivos reduzidos, o soldo diminuído assim como a verba governamental destinada ao mesmo. Aparecem os novos inimigos da Pátria: “os homens de casaca”, os políticos tradicionais. No meio militar, sente-se o desprezo dos governantes pela corporação. Uma situação econômica de decadência, um papel político reduzido e, ao mesmo tempo, a tomada de consciência de parte dos “homens de farda”, em grande parte influenciados pelos ideais positivistas, que apresentam respostas para essa realidade. A modernidade tecnológica que na Europa avançava a passos largos, ainda não existia no Brasil, no entanto a ideia de Progresso contrariava, aos olhos de muitos – incluindo os militares – as práticas adotadas pelo Império. Ser positivista era, antes de mais nada, ser contra o Império.
É verdade que a ideia de Progresso estava associada à de “Ordem” e significava que as mudanças não seriam radicais. A visão positivista não era revolucionária, apenas modernizadora, baseada em novos preceitos de organização política do Estado, porém baseada na premissa de que o mesmo deveria ser conduzido por uma elite; uma elite nova e esclarecida – portanto distante dos setores populares – e os militares se sentiam parte desse setor que contribuiria com a modernização do país.
Para a elite positivista, a precisão cientifica estava acima de qualquer vontade, a verdade era produto do desenvolvimento e ao mesmo tempo o incrementava, portanto opor-se á ciência significa opor-se à modernização. Os princípios políticos e filosóficos necessários, por estarem corretos cientificamente, deveriam ser impostos à Nação, e para o bem da mesma. O Parlamento era desnecessário, pois não poderia haver debate daquilo que era cientificamente correto. O republicanismo positivista se apresentava como mais centralizador e autoritário que o próprio império. Mas cumpriria seu papel modernizador.
A Questão Militar
Na verdade um conjunto de acontecimentos que aprofundaram as divergências entre os militares e os políticos civis tradicionais. Os incidentes mais graves ocorreram em 1884 e envolveram direta ou indiretamente Benjamin Constant, professor da Escola Militar e destacado positivista, que apoiou abertamente um general que, frente a tropa, prestara homenagem a um líder abolicionista e defendeu o coronel Cunha Matos, preso por responder através da imprensa a uma ofensa que havia sofrido de um deputado. A ofensa e a prisão atingiram, na verdade, toda a corporação.
Importante destacar que, neste contexto, diversos setores sociais se opunham ao governo imperial, mesmo que por razões e motivações diferentes, como grande parte dos clérigos e mesma da elite agrária. Crescia o movimento abolicionista e o movimento republicano.
A crise na relação entre exercito e governo agravou-se e tornou-se explicita a partir de 1887, quando as fugas de escravos em São Paulo atingiram um nível considerado alarmante pelos governantes. Chamado a intervir, o exercito se recusou a prestar papel de “capitão-do-mato”, colocando a prova o comando governamental. A indisciplina era uma realidade. Na prática os militares perceberam que poderiam e deveriam intervir na política. Na prática reforçava-se a teoria desenhada pelo positivismo. O país precisa de homens esclarecidos para moderniza-lo.
A Proclamação da República
A Proclamação da República reúne dois grandes setores distintos: o exercito e a elite cafeeira de São Paulo. Muitos militares consideravam que a eles era atribuído o papel modernizador, mesmo porque os cafeicultores não possuíam nenhum compromisso com a ciência e a modernização econômica do país, ao contrário, apesar de abolicionistas, eram representantes da velha tradição oligárquica, com uma roupagem republicana.
Essa “nova elite” agrária, que se livrara da escravidão, representava o poder econômico e atraia para junto de si outros setores latifundiários, dos demais estados, com a promessa do federalismo, ou seja, com a garantia de que o poder estadual se ampliaria, garantindo às elites regionais uma fatia do poder.
Os militares se dividiram quanto a questão da centralização e militarização do poder. Os principais líderes positivistas apoiavam a aliança com os civis, como garantia da unidade territorial e para evitar que o país se tornasse mais uma republica de caudilhos como em outras nações americanas, com o poder baseado na força imposta, que promoveria reações e constantes lutas internas.
Durante o governo do Marechal Deodoro, as tendências moderadas se sobressaíram e os setores mais radicais do exercito, defensores de uma ditadura republicana perderam espaço. A república era apresentada como uma conquista. Ampliavam-se alguns direitos sociais. Ilusórios ou limitados, o fato é que a propaganda republicana deu à elite agrária um apoio maior do que aquele recebido pelo exercito, pelo menos pela maioria dos setores urbanos. Ao exercito foi dado o papel de “defender a Pátria e suas instituições” e parte de seus oficiais foram cooptados para a nova estrutura de poder.
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