Fudamentalismo
Yolande Knell , da
BBC News em Jerusalém
20 de julho, 2011
Centenas de judeus conservadores participaram de protestos
nas proximidades da Suprema Corte de Israel contra a breve detenção de dois
famosos rabinos que apoiaram a publicação de um livro que, entre outras coisas,
justifica o assassinato de gentios (pessoas não-judias) em determinadas
circunstâncias.
Os protestos realçaram as diferenças entre as comunidades
religiosas e de judeus seculares do país. Os manifestantes entraram em choque
com a polícia montada nas ruas de Jerusalém e muitos foram presos.
Os rabinos Dov Lior e Yacob Yousef apoiaram um livro
polêmico, The King´s Torah, ou a Torá dos Reis, escrito por rabinos menos
conhecidos que vivem em assentamentos. O livro justifica inclusive o
assassinato de gentios em certas ocasiões, mesmo daqueles não envolvidos em
violência.
Seu quinto capítulo, chamado "Assassinato de Não-Judeus
em Tempos de Guerra", foi bastante citado pela imprensa israelense. Seu
resumo afirma que "você pode matar aqueles que não estão apoiando ou
encorajando assassinatos para salvar a vida de judeus".
Em determinado momento, o livro sugere que bebês podem ser
justificadamente mortos se está claro que eles se tornarão uma ameaça, uma vez
crescidos.
Policiais israelenses que investigam acusações de
incitamento detiveram os rabinos depois que eles se recusaram a comparecer
voluntariamente para um interrogatório.
Embora os dois rabinos tenham forte apoio entre colonos de
orientação ideológica mais acentuada na Cisjordânia ocupada, eles também foram
defendidos por integrantes de setores mais amplos da comunidade religiosa.
A acalorada reação às detenções realçaram a tensão entre as
autoridades religiosas e civis em Israel e incentivou o debate sobre liberdade
de expressão.
Alguns estudantes que se juntaram aos protestos de 4 de
julho agora voltaram à tranquilidade da biblioteca de Raana Yeshiva, um
seminário de estudos judaicos avançados, ao norte de Tel Aviv.
Eliyahu Gross, 21 anos, viajou com amigos para Jerusalém,
mas diz que não leu a Torá dos Reis.
"Estava apenas protestando contra a ideia de restringirem
a Torá (texto sagrado dos judeus)", diz ele. "Na minha opinião, qualquer coisa que seja contra a
liberdade da Torá é basicamente contra a minha liberdade como judeu."
O rabino Yehuda Amar, que ajudou a organizar o protesto,
rejeita fortemente a maneira como o livro foi retratado.
"A lei judaica é muito, muito cuidadosa sobre qualquer
coisa que represente uma ameaça para a vida", diz ele. Para o rabino, o
livro apenas convida para uma análise teórica da escritura.
"Precisamos de liberdade para estudar a Torá tanto no
nível espiritual quanto no democrático", diz Amar. "Tentamos mostrar que existe um contraste, as ideias
espirituais são mantidas em separado da vida prática."
À medida em que avança a discussão, fica clara a sensação de
que a comunidade se sente marginalizada.
O chefe de Raana Yeshiva, o rabino Haim Rehig, vê a Torá dos
Reis como "um livro problemático" e escreveu sobre ele. Ele acredita que os protestos recentes foram basicamente
sobre a exigência de judeus religiosos de ter "igualdade perante a
lei".
"Toda vez que eles investigam o ‘lado direito do mapa’,
se você quiser chamar desta forma, veem que existem choques culturais entre nós
e a parte secular do país", diz ele.
Ele sugere que alguns acadêmicos de esquerda incitam o ódio
entre colonos e judeus religiosos. "Ninguém os prende porque somos um tipo
de minoria por aqui", diz.
Seculares
Uma enquete informal feita pela BBC no mercado Mahane
Yehuda, em Jerusalém ocidental, ilustra a diferença entre a minoria religiosa e
a maioria secular.
No mercado, há muito apoio à ação policial contra os rabinos
que apoiaram o texto controverso. Muitos enxergam isso como uma prova de que a
lei se aplica a todos.
"O papel de um rabino é muito importante, mas não está
acima da lei", diz Avi Ben Yousef.
"Como cidadãos, todos seguimos as mesmas regras e
regulamentos. Vivemos em uma democracia, e é assim que deve ser."
"Se alguém apoia o racismo, é contra a lei, portanto
deve ser preso", diz um comerciante local, Eli. "Acredito que, mais
do que isso, as pessoas que escreveram o livro devem ser julgadas. Me preocupo
não apenas com o livro, mas com os religiosos", diz ele.
"Muitos estão preocupados, mas não falam. Este é um
problema porque as pessoas cujas vozes são ouvidas o tempo todo são extremistas
que apoiam o livro."
A retirada isralense de Gaza gerou choques entre colonos e
forças de segurança
Tensões
Vários episódios da história recente de Israel amplificaram
as tensões entre judeus religiosos e seculares. Em 2005, a retirada unilateral
de Israel da Faixa de Gaza fez as forças de segurança despejarem à força
colonos judeus – em sua maioria, religiosos. Protestos se seguiram a isto.
Muitas pessoas nas comunidades religiosas viram as desocupações
como uma traição do Estado e de suas instituições, em especial a Suprema Corte,
que julgou que o plano do governo de saída de Gaza era constitucional.
Dez anos antes, o assassinato do então primeiro-ministro
Yitzhak Rabin pelo judeu ultraortodoxo Yigal Amir também causou uma profunda
divisão. Amir se opunha ao acordo de Oslo, de 1993, fechado entre Israel e os
palestinos.
O pesquisador acadêmico do Instituto de Democracia de Israel
Yair Sheleg, que estuda há tempos as tendências religiosas no país, afirma que
os mal-entendidos entre diferentes grupos são perigosos.
Ele diz que os judeus seculares não devem enxergar todos os
judeus religiosos da mesma forma. "Vejo uma disputa entre liberais e
extremistas dentro do setor sionista religioso. Os extremistas ganham poder
caso sintam que a maioria secular descreve todo o setor como extremista",
diz ele.
"Quando jovens sentem que são odiados, isso os empurra
mais para o extremo", afirma.
Mais judeus ultraortodoxos vêm ingressando no mercado de
trabalho em vez de dedicarem suas vidas ao estudo exclusivo da Torá. Alguns
fazem serviço militar e entram em unidades de combate.
Embora as forças armadas publiquem poucas informações sobre
a origem dos alistados, em agosto do ano passado, a revista da Defesa israelense,
Maarachot, informou que, em anos recentes, cerca de 30% dos graduados de cursos
de oficiais de infantaria se definem como “religiosos sionistas”. Em 1980, esta
taxa era de 2,5%.
Os últimos protestos podem mudar as percepções, mas o
episódio da Torá dos Reis é um lembrete do potencial antagonismo e choque de
ideologias.
Como muitos judeus religiosos vivem em assentamentos na
Cisjordânia ou têm parentes neles, vários analistas os apontam como locais com
potencial para futuros conflitos.
Enquanto a lei internacional considera os assentamentos
ilegais, Israel contesta isso. Os palestinos querem a terra para seu futuro
Estado.
Os chefes militares israelenses responsáveis pela
Cisjordânia estariam preocupados sobre possíveis choques com colonos nos
próximos meses, quando devem seguir uma decisão legal e desmantelar um
assentamento julgado ilegal.
Enquanto isso, se observa um aumento da violência entre
judeus extremistas de direita e palestinos.
Em um artigo no jornal israelense Maariv, um comandante
regional foi citado dizendo que as ações de judeus extremistas "está
crescendo... para eles, um livro como a Torá dos Reis não é apenas uma
discussão teórica".