Nero
Exposição em Roma tenta reabilitar imagem de Nero
BBC
Brasil
Uma exposição na área arqueológica de Roma antiga celebra o
imperador Nero, conhecido como um tirano cruel e louco incendiário, em uma
tentativa de revelar seu perfil de urbanista inovador, homem culto e artista
sensível.
A exposição se espalha pela principal área arqueológica de
Roma, entre o Coliseu e o Fórum Romano, onde o imperador, famoso também por
perseguir os primeiros cristãos, viveu e reinou.
Lucio Domizio Enobarbo tornou-se imperador com o nome de
Nero Claudius Caesar aos 17 anos de idade em de 54 dC. Na descrição do
historiador Svetonio, por exemplo, Nero aparece como figura excêntrica:
“Estatura quase normal, corpo cheio de sardas e mal
cheiroso. Cabelos louros, rosto bonito, mas sem graça. Olhos azuis, mas fracos,
pescoço largo, ventre grande, pernas magras e saúde ótima. Não se vestia muito
bem e aparecia em público com roupas íntimas, um lenço amarrado no pescoço, sem
cinto e descalço”.
Personagem complexo e contraditório, Nero teria reinado de
forma exemplar no começo, para depois se transformar num dos personagens mais
cruéis, narcisistas e megalomaníacos da História.
“Se Nero tivesse morrido nos primeiros anos de reino, não
seria recordado como o “veneno do mundo”, apelido que lhe foi dado pelo
historiador Plínio, o Velho” disse o historiador Andrea Giardina ao apresentar
a mostra, que vai até dia 18 de setembro.
Contra as elites
A imagem negativa que atravessou a História, se deve, segundo
dados apresentados na mostra, a medidas que Nero teria tomado e que teriam
descontentado as elites romanas da época.
Odiado pela aristocracia, Nero, no entanto, era amado pela
plebe. E para encontrar seu povo, precisava de grandes espaços, conforme
explicou o arqueólogo Carandini.
“Do Coliseu ao Palatino Nero, havia criado uma espécie de
cenário arquitetônico para um grande ato de demagogia”, disse, na apresentação
da mostra.
Nesta área, havia um grande lago artificial, que depois foi
eliminado para dar lugar ao anfiteatro Flavio, conhecido como Coliseu.
Segundo Carandini, Nero organizava banquetes suntuosos no
lago, a bordo de uma grande embarcação.
O percurso da mostra começa nesta área, dentro do Fórum
Romano, coração da Roma antiga, e ocupa diversos espaços com exposição de
retratos do imperador e de sua família, vídeos que projetam trechos de filmes
sobre ele e peças que testemunham o luxo exagerado de seus palácios.
Fazem parte da mostra as áreas do Fórum onde arqueólogos
ainda buscam restos de outras residências de Nero, e pode-se ver o que resta da
“Coenatio Rotunda”, a famosa sala de jantar giratória que foi descoberta nas
escavações em 2009.
Urbanismo
Segundo o Ministério da Cultura, responsável pela mostra, o
imperador, que segundo a lenda tocava cítara enquanto Roma queimava, contribuiu
de forma decisiva para redesenhar o plano urbanístico da capital.
A exposição termina no Coliseu, com uma parte dedicada ao
grande incêndio, um dos eventos mais trágicos da história de Roma.
Segundo testemunhos da época, foi Nero quem mandou incendiar
Roma na noite de 18 de julho de 64 Dc, para construir seu palácio mais
suntuoso, a Domus Áurea. O fogo durou nove dias.
“Nero desejava a glória de fundar uma nova cidade à qual
daria seu nome”, escreveu Tacito, historiador da época.
Segundo Andrea Carandini, para concretizar seu projeto
urbanístico, Nero previa grandes expropriações, que seriam mais fáceis de serem
realizadas após um incêndio.
Oficialmente, a culpa caiu sobre os cristãos. As confissões
foram arrancadas sob terríveis torturas. Nero ordenou prisões em massa,
condenações à morte e crucificações. Nos últimos anos de seu reino teriam sido
martirizados os dois maiores santos do cristianismo: Pedro e Paulo.
A historiadora Silvia Ronchey, contudo, defende Nero.
“Os primeiros editais contra os cristãos são da época de
Domiziano e Traiano”. E o grande inimigo deles foi, na realidade, o imperador
filosofo Marco Aurélio’’, escreveu num recente artigo sobre a mostra.
A imagem que nos foi passada não faz justiça ao imperador
que tinha um refinado carisma e gosto estético, segundo a historiadora.
Segundo ela, Nero conquistou uma imagem de divo graças à
vocação teatral, uma calculada atenção ao aplauso do povo.
“Era um campeão esportivo, ator e músico com tal carisma que
se tornou um verdadeiro mito. Ainda adolescente subiu ao trono de um império
que se estendia sobre três continentes, o maior que já existiu. Teve um enorme
prestigio não só em Roma, e suicidou-se aos 31 anos, declamando um poema de
Homero”.